Sat Nam!
Compartilhamos o discurso do professor Gururaj Singh escrito para a cerimônia de formatura de professores de Kundalini Yoga, professores aquarianos, do curso de formação realizado pela Abaky Brasil e Abaky Brasília, em 2014/2015, na cidade de Brasília.
Wahe Guru Ji
Ka Khalsa, Wahe Guru Ji Ki Fateh
Por Gururaj Singh
Bem eu fui
voluntariado pelos meus colegas de formação para ser o orador da nossa turma.
Então, não pude negar esse convite. Mas em verdade, estou muito feliz de poder
estar aqui compartilhando essas palavras.
Há algum
tempo atrás a Siri Gyan estava conversando com seus colegas de escola e em
algum momento o assunto yoga surgiu. Um dos seus colegas falou para ela que
yoga era fazer "aunnnn". Siri Gyan, que pratica Kundalini Yoga desde
a barriga da mãe, prontamente respondeu que não era bem assim.
Hoje estão
muitos familiares e amigos dos formandos presentes e talvez muitos de vocês não
conheçam muito a tradição da kundalini yoga. Alguns talvez acreditem que yoga é
fazer "aunnnn" também. Que um yogi é uma
pessoa desassociada da realidade. Bem, pelo menos em Kundalini Yoga
não é assim. Então eu vou falar um pouco da minha história e um pouco
sobre professores dessa tradição, pra que vocês possam ter ideia em que nós
estamos nos metendo.
Há muitos
anos atrás, mas nem tantos anos assim, como a maioria das famílias brasileiras,
pelo menos a época, eu frequentava uma igreja católica como parte das minhas
atividades extracurriculares. Não existia nenhuma pressão para que isso
acontecesse, era algo muito natural e eu realmente gostava de participar. Fiz
catequese, primeira eucaristia e cheguei a me tornar coroinha. Gostaria de ter
aqui uma foto para mostrar para vocês de como eu parecia um anjo.
Em uma
dessas atividades para o grupo de jovens da Igreja, quando eu estava por volta
de 12 anos, uma das facilitadoras, a quem a gente chamava carinhosamente de Tia
Wanda (sou baiano e lá a gente chama todo mundo de tio e tia) nos falou para
tomarmos cuidado com os professores de história (tem algum professor de história
aqui?), por que eles estavam transformando a imagem de Jesus, um homem santo,
num revolucionário. E nós não podíamos aceitar isso.
Essa frase
me tocou profundamente. Eu jamais poderia aceitar o que a Tia Wanda falava.
Entendam, eu estava longe de ser um garoto rebelde e revolucionário naquela
época. Eu era um nerd, cuja aula preferida era história, afeminado que topava
qualquer negócio para passar desapercebido e não sofrer o que hoje conhecemos
como bullying.
Acontece
que, apesar de não saber a época ainda, eu era um filho do Guru Gobind Singh
também. E dele nos temos foto! E o Guru Gobing singh é o sonho de qualquer
professor de história. Guru Gobind Singh foi um grande ativista político,
porque ele se levantou contra grandes regimes tirânicos, tendo como
guerreiros apenas um bocado de pessoas, que possivelmente também topariam
qualquer negócio para que ninguém bulissem neles, e a quem ele
treinou e transformou em homens dignos com Kundalini Yoga. O Império
Mongol dominou a Índia por 300 anos, de forma que ele se manifestou
contra uma situação política muito fortemente estabelecida.
O Guru
Gobind Singh nos disse também que devemos primeiro nos livrar de nossa raiva e
de nossa ansiedade, neste momento de rápidas mudanças sociais. Essas
rápidas mudanças sociais criam grande ansiedade e insegurança no seu
próprio ser. Se você pode lidar com isso primeiro, sua liderança pode
ser amplamente potencializada, suas ações terão intenções puras e você
ficará mais satisfeito com os resultados. A tecnologia de Guru Gobind
Singh é de purificar a si mesmo em primeiro lugar.
Guru Gobind
Singh é o que em Kundalini Yoga nós chamamos do esteriótipo do Santo Guerreiro.
Ele nos disse que a gente nasce neste planeta para lutar contra a injustiça e a
intolerância e defender aqueles que não podem fazer isso por si mesmo.
Existe um
poema que o Guru Gobind Singh escreveu que se chama Chandi Di Var, que está na
sua biografia chamada Darsan Granth, em que ele conta a história da guerra de
Kali. Neste poema Guru Ji nos conta que nessa batalha a cada vez que um inimigo
era morto, cada gota de sangue que caia no chão, voltava a vida e ressurgia
como um novo inimigo. Então, toda vez que um inimigo era morto milhares,
milhões de novos inimigos surgiam no lugar. E essa é a natureza da
tirania, da injustiça e da intolerância. Toda vez que você confronta violência
com violência, você deposita sua energia na sua multiplicação. Em certo
momento, a heroína da história, Chandi, não sabe mais o que fazer, pois desse
modo ela estava perdendo a batalha muito feio. E o que ela faz é ir para dentro
dela achar uma solução. Então entra em um estado profundo de meditação e do seu
terceiro olho, surge Kali. E Kali faz um acordo com os abutres para que cada
vez que um desses inimigos fossem morto e abatido, os abutres viessem e
bebessem todo o sangue antes que eles tocassem o chão. E assim Chandi e Kali
venceram a batalha. Para aqueles que assistiram o último episódio de
Games of Thrones acontece exatamente isso. Pra quem não assistiu, aqui vai um
spoiler. E pra quem não assisti, fica a dica de assistir. A Mãe dos dragões,
Kalisse, se vê no meio de uma batalha numa arena, sem ter como fugir. E o que
ela faz é ir pra dentro dela e a partir do seu espírito chama seu dragão para
resgatá-la. Você não pode confrontar força com força. Você precisa
confrontar a força com seu espirito, e por meio da pureza e retidão você
vencerá suas batalhas.
E esse foi o
legado que o Guru Gobind Singh nos deixou, que quando o confronto chegar, não
fujamos. Travemos a batalha com o nosso espírito e que assim possamos garantir
a vitória para ambos os lados.
Então, eu
sabia isso tudo dentro de minha alma, só não sabia que sabia. E esse foi
meu último dia como coroinha.
Há outra
série também maravilhosa que todo mundo precisa assistir, mas essa é só pra
quem tem NetFlix. Chama-se Sensa8. Conta a história de 8 pessoas de diferentes
partes do mundo que estão tão fortemente conectadas que são capazes de ir
fisicamente visitá-las só em pensar em alguma delas. É como se tivessem pineais
superdesenvolvidas e conseguissem alcançar a frequência que cada um emite numa
banda que só eles conseguem captar. E eles ajudam um ao outro quando alguém
está em um conflito. Quando assisti isso, eu pensei "nossa... isso é
maravilhoso!". Mas em Kundalini Yoga somos todos sensate. E a esse espaço
sagrado em que todos nos conectamos e nos ajudamos, nós damos o nome de Sangat.
Em Sangat nós sempre sustentamos o outro a lidar com seus conflitos, não
destroçando os seus inimigos, mas dando-lhes dignidade.
Continuando
a falar sobre Guru Gobind Singh, ele era ao mesmo tempo, um líder
vigoroso, um guerreiro destemido e um pai e marido
extremamente amoroso. Nós comumente pensamos: ou macho alfa ou homem
sensível. Este não é o caso. Com Guru Gobing Singh, são as duas coisas:
você pode ser tão forte e vigoroso e tão delicado e amoroso que essas
emoções e sentimentos não são opostos; na verdade, eles fazem parte do
mesmo pacote. E nós podemos ser assim também. Ser forte sem ser
assustador. Não ter medo e nem causar medo. Dar força e oferecer
compaixão ao mesmo tempo.
Ele era um
homem que entendia o sagrado feminino. Ele escreveu todos os seus poemas,
colocando o seu "eu lírico" como o de uma mulher. A Kundalini Yoga vem
de uma tradição matriarcal, e o Yogi Bhajan dedicou anos de sua vida restaurando
a dignidade das mulheres. Em suas próprias palavras "quando um homem
perdia a sua consciência, era um indivíduo que estava perdido. Mas quando uma
mulher perdia a sua consciência, era uma geração que se perdia”.
Mais uma
vez, minha alma entendia tudo isso sem saber. O feminino sempre foi sagrado
para mim. Tive grandes mulheres na minha vida que foram grandes professoras e
me ajudaram a me tornar o homem que sou hoje.
Durante a
nossa formação tivemos 3 grandes professoras: A Sat Anand, a Kirn Jot e a
Gurusangat.
Sat Anand
é uma sacerdotisa que transformou cada módulo em algo muito sagrado, em
uma benção. Kirn Jot nos acolheu com alegria e doçura, como no módulo de
posturas em que todo mundo saiu com o corpo como se tivesse corrido uma maratona,
mas completamente radiantes. E a Gurusangat nos provocou, confrontou e elevou
como no módulo sobre Mente e Meditação, quando chegamos crentes que vivíamos em
nossa mente neutra, mas percebemos que não era bem assim.
Mas como eu
disse, eu já sabia que o feminino era sagrado. O que eu precisava aprender era
que o masculino também é sagrado, e isso eu entendi com a Kundalini Yoga.
Eu já contei
para vocês que eu era um nerd afeminado que sofria bullying de todo lado. A
frase que eu mais escutei na vida foi "toma jeito de homem menino".
Só que minha alma sabia que ela não queria ser aquele tipo de homem. Ela queria
ser o homem que o Guru Gobind Singh era. E como em Sangat o conflito de um é
sustentado por todos, o Guru Gonbind Singh se fez presente através de grandes
professores que encontrei nessa formação.
Lembro do
dia que conheci cada um de vocês: Harjinder, Siri Sahib e Jiwan Preet. Mesmo
que qualquer pessoa que me conheça saiba que memória nunca foi meu forte.
Harjinder
conduziu a primeira sadhana que fiz na vida. Passou o Nabhi Kryia, com um terço
do tempo, mas o suficiente pra eu quase morrer. Foi a primeira vez que eu vi um
professor homem dando aula e a primeira vez que me passou pela cabeça que eu
poderia fazer aquilo também. Quase 2 anos depois, eu me assentava ao lado dele
para dar aula na nossa seva, serviço que prestamos a comunidade, e foi uma
honra inexplicável.
Siri Sahib
eu conheci antes mesmo de eu conhecê-lo pessoalmente. Na época das
manifestações de Junho de 2013, ele escreveu um artigo entitulado "Ih
fudeu, Bin Laden não morreu", em que ele conta sobre as reações das
pessoas durante as manifestações quando ele apareceu lá de turbante e barba
grande. Esse artigo mexeu tanto comigo, mesmo sem saber quem era aquela pessoa
que escrevia, que me motivou a sair de turbante da aula de Kundalini Yoga pela
primeira vez e ir fazer supermercado só para ver como seria a reação das
pessoas. Depois o conheci pessoalmente durante a bienal de 2014 e nunca mais o
deixei em paz. Foi por meio dele também que o Guru Gobind Singh me coroou e com
a capacidade que só ele tem de cortar precisamente todos os meus dramas apenas
com palavras firmes, mas doces fez com que hoje eu não saia de casa sem
turbante e sem me sentir um rei.
Jiwan Preet
eu também conheci durante a bienal de 2014 e foi como se eu tivesse o conhecido
a minha vida inteira. Lá na bienal mesmo eu comentei isso com ele, o quanto ele
me era familiar, como um irmão. Cheguei a perguntar se ele era famoso e eu estava
cometendo a gafe de não lembrar quem é. E ele foi um doce comigo e falou que
meu nome, Gururaj, era lindo e falou um pouco sobre ele. Eu achava e acho meu
nome realmente lindo. Mas ter Guru no nome espiritual é um desafio. Raramente
as pessoas não levam isso como uma piada, então eu usava ele muito pouco fora
das aulas, e o Jiwan Preet foi sem dúvida peça chave para que eu superasse
isso.
Hoje nos
formamos professores de Kundalini Yoga. E eu contei todas essas histórias para
que todos vocês possam entender a grandiosidade do que isso significa.
A formação
pela qual passamos durante um ano, nos tornou aptos a muito mais do que passar
kryias, pranayamas e meditações. A formação nos preparou para enfrentar a vida,
cotidiana e rotineira, a partir do nosso espirito, aquarianamente.
A partir de
hoje nós não seremos só nós mesmos, nós seremos essa instituição e essa
tradição. Seremos pessoas que iremos fazer por nossos alunos o que Guru Gobind Singh
e cada um desses professores da nossa formação fez por mim, e me arrisco sem
medo de errar, fez por nós.
Wahe Guru Ji
Ka Khalsa, Wahe Guru Ji Ki Fateh