Sat
Nam: A história secreta do Kundalini Yoga
Texto adaptado do blog Shit your ego says, por James McCrae traduzido por Sat Bhagat Singh
Extraído do blog da ABAKY - Associação Brasileira dos amigos do Kundalini
Yoga
Qual a primeira coisa que você pensa quando ouve a palavra “yoga”?
Alongamentos? Sucos e alimentos
naturais? Espiritualidade pseudo-oriental? Mulheres magras usando calças
apertadas antes do café da manhã? O yoga atualmente é uma tendência urbana,
cuja popularidade só cresce desde a virada para o século XXI. A ironia desse
“agora” no status do yoga como atividade física popular é o fato de se tratar
de uma das práticas mais antigas da humanidade. No mundo contemporâneo,
centros refinados de yoga e estúdios de Bikran são apenas a manifestação
mais recente de uma tradição de milhares de anos que vem se adaptando a
culturas em constante transformação. Nações inteiras tiveram seu auge e seu
declínio. Religiões surgiram e desapareceram. A maçã das ideias foi passada
de Eva para Isaac Newton até chegar a Steve Jobs. Mas o yoga, de uma
forma ou de outra, permaneceu.
Ninguém sabe ao certo há quantos
anos o yoga surgiu. Até onde nos diz a história, arqueólogos descobriram
indícios do yoga como prática tanto espiritual quanto física. Alguns dos
registros mais antigos são gravuras de seres humanos em posturas que lembram
as de um yogi, feitas há mais de 5 mil anos nas cidades mais prósperas da
época, Mohenjo-daro e Harappa, na Civilização do Vale do Indo (região hoje
formada por Índia, Paquistão, Afeganistão e Irã). O desenvolvimento do yoga
segue paralelo ao advento da espiritualidade oriental, e – antes do poder
político da religião, centralizado como conhecemos hoje – a prática era
considerada um método de conexão direta com o divino. A conexão entre
espírito e corpo é o fundamento do yoga (a própria palavra “yoga” deriva de
um termo sânscrito para “união”), que continua sendo a prática espiritual
mais antiga e duradoura feita atualmente.
“Eis o mais alto
dos altares, o corpo humano vivo e consciente; reverenciar nesse altar é algo
muito mais elevado do que a reverência de quaisquer símbolos mortos” — Swami Vivekananda
O que exatamente é Kundalini Yoga?
Há dezenas de variações de yoga,
com diferentes estilos e filosofias. Algumas formas de yoga (como o Bikram)
são estruturadas como exercício físico. Outras (como o Jivamukti) são mais
centradas na meditação. O Kundalini Yoga é um pouco as duas coisas, mas
também se preocupa com a consciência que ativa centros de energia por todo o
corpo. Uma aula de Kundalini Yoga pode ser um ótimo exercício, mas os
professores e alunos (muitas vezes de turbante branco) participam de cada kriya
com uma reverência silenciosa mais semelhante à que temos num templo, não
numa academia. Se você quer uma prática física aliada a um trabalho de
iluminação espiritual, seu lugar pode ser uma aula de Kundalini Yoga.
“O principal
objetivo [do Kundalini Yoga] é despertar todo o potencial da consciência
humana em cada indivíduo; ou seja, reconhecer nossa consciência, refiná-la e
expandi-la para nosso ser ilimitado. Limpar qualquer dualidade interna, criar o
poder de ouvir profundamente, cultivar a quietude interior, prosperar e fazer
tudo com excelência” – Kundalini Research Institute
Breve história do Kundalini Yoga
O
Kundalini Yoga é conhecido como uma forma específica de yoga cada vez mais
popular em Nova York e Los Angeles. Mas o Kundalini, talvez mais que qualquer
outro yoga, tem uma história longa e fascinante. Não existe outra filosofia
(física ou não) mais duradoura que o Kundalini Yoga. A despeito das
filosofias religiosas mais antigas, o Kundalini não se atém a regras estritas
ou dogmas. Sua natureza pura permitiu que cada geração, durante milhares de
anos, encontrasse um significado pessoal nessa prática. Seu objetivo é
decentralizado e abnegado – isto é, ajudar os outros a atingir seu Eu
Superior. O Kundalini Yoga não se intitula como o único caminho; ele é
apenas um caminho, uma ferramenta na jornada de descoberta pessoal de cada
indivíduo. Participar de uma aula hoje parece algo tão novo, relevante e
inovador que você pode ter a sensação de que o Kundalini Yoga é um conceito
híbrido de Oriente e Ocidente desenvolvido especificamente para o século XXI.
“Kundalini” é uma palavra do sânscrito antigo que significa literalmente
“serpente enrolada em espiral”. Na antiga religião oriental (bem antes do
budismo e do hinduísmo), acreditava-se que cada pessoa possuía uma energia
divina na base da espinha, a energia sagrada da criação. Todos nós nascemos
com essa energia, mas precisamos nos esforçar para “desenrolar a serpente”,
colocando-nos assim em contato direto com o divino. O Kundalini Yoga é a
prática de despertar nosso Eu Superior e transformar energia potencial em
energia cinética.
A
definição de yoga que temos hoje no Ocidente é limitada, pois descreve um
tipo específico de exercício. Mas, para os povos antigos, o yoga era uma
conexão sagrada entre corpo e alma. Seu objetivo não era malhar o corpo, mas
fazer contato direto com Brahman, o espírito divino que habita todos nós.
Religiões que agiam como intermediários entre Deus e a humanidade não eram
necessárias. Apenas a prática era necessária. Das diversas formas de yoga
desenvolvidas nos últimos 5 mil anos, o Kundalini Yoga era considerado o mais
sagrado. Não sabemos qual é a origem exata do Kundalini Yoga, mas sua mais
antiga menção remonta aos escritos védicos conhecidos como Upanishads (c.
1000 a.C. – 500 a.C.). Registros históricos indicam que o Kundalini Yoga era a
uma ciência da energia e uma filosofia espiritual antes de a prática física
ser desenvolvida. A palavra “upanishad” significa literalmente “sentar-se para
ouvir os ensinamentos do mestre”. As primeiras aulas de Kundalini eram
exatamente isso. Os mestres se sentavam com os alunos e faziam preleções de
suas visões espirituais. Essa era uma prática popular na antiga sociedade védica
(e, séculos depois, seria replicada por dois sujeitos chamados Buda e Jesus).
Com o passar do tempo, a ciência corporal do Kundalini Yoga foi desenvolvida
como expressão física das visões dos Upanishads. Desde sua origem, o
Kundalini Yoga não era ensinado em público, mas sim tratado como educação
avançada. Os alunos precisavam passar por vários anos de iniciação,
preparando-se para aprender as lições de espírito e corpo dos mestres de
Kundalini. Durante milhares de anos, a ciência do Kundalini Yoga permaneceu
oculta, passada em segredo do mestre para um discípulo escolhido, considerado
merecedor. Ensinar Kundalini Yoga fora da sociedade secreta da elite yóguica
indiana era algo impensável. Acreditava-se que as pessoas não estavam preparadas
para acessar um conhecimento tão poderoso. Desse modo, o Kundalini Yoga
permaneceu em segredo até o dia em que um sikh rebelde e sagrado chamado Yogi
Bhajan enrolou um turbante branco na cabeça e tomou um voo só de ida partindo
do Punjab, na Índia, para Toronto, no Canadá, em 1968.
Yogi Bhajan
Para o Kundalini Yoga no Ocidente,
Yogi Bhajan é a pedra de toque, o ponto onde tudo começa. Não é exagero
dizer que sem ele o Kundalini Yoga continuaria desconhecido para os ocidentais
até hoje. Ao visitar a Califórnia no final dos anos 1960, Yogi Bhajan
testemunhou a revolução cultural dos hippies, percebendo uma semelhança de
muitos de seus princípios com aqueles de sua criação sikh. Ele notou duas
coisas: 1) Como atestado pela busca pela expansão da consciência, os jovens
nos Estados Unidos estavam ansiosos por experimentar Deus; 2) Ajudados por
drogas e por um misticismo pobre, estavam fazendo tudo errado. Yogi Bhajan
sabia que ensinar Kundalini Yoga fora da linhagem sagrada indiana era proibido.
Mas enquanto meditava num fim de semana em Los Angeles, durante uma viagem em
1968, ele teve uma visão de uma nova espiritualidade que combinava o
conhecimento antigo com a prática moderna. Terminou de meditar cheio de
inspiração. Ele ensinaria Kundalini Yoga no Ocidente, proclamando: “Cada
pessoa nasce com o direito de ser saudável, feliz e sagrada, e a prática do
Kundalini Yoga é uma forma de reivindicar esse direito”. Sua visita a Los
Angeles, planejada para um fim de semana, se transformou em residência
permanente. Nos dois anos seguintes, Yogi Bhajan fundou a 3HO (Healthy, Happy,
Hole Organization) e o KRI – Kundalini Research Institute. Isso era apenas o
começo. Yogi Bhajan ministrou mais de 8 mil aulas de Kundalini Yoga. Criou o
primeiro programa de treinamento de professores em 1969 e ensinou pessoalmente
para milhares de yogis e futuros professores. Muitos de seus alunos e alunas,
incluindo Gurmukh Kaur, abriram seus próprios estúdios de yoga, e muitas
aulas são dadas hoje no mundo inteiro por yogis que aprenderam diretamente com
ele.
A
influência de Yogi Bhajan vai além do yoga. Ele publicou diversos livros,
fundou o Dia Internacional de Oração pela Paz e trabalhou com vários
governos internacionais em projetos para levar a paz e a consciência para as
questões mundiais. Yogi Bhajan acreditava que todos temos a responsabilidade
de melhorar a sociedade pela consciência e compaixão, e dedicou sua vida a
transformar em realidade sua visão da espiritualidade prática. Depois de sua
morte, o Congresso dos Estados Unidos aprovou uma resolução bipartidária em
homenagem a suas contribuições para o mundo.
“O Kundalini Yoga
é a ciência que une o finito ao infinito” — Yogi Bhajan
Filosofia do Kundalini, o yoga da consciência
Para
entender a filosofia por trás do Kundalini Yoga, voltemos aos primeiros textos
históricos que mencionam seu nome, os Upanishads. Escritos por diversos
autores anônimos durante 500 anos (entre 1000 e 500 a.C.), os Upanishads
(semelhantes às escrituras dos Vedas) são uma coletânea de ensinamentos
orais sobre a natureza espiritual da realidade. Os Upanishads,
originalmente transmitidos de mestres para estudantes depois de profundas
visões meditativas, são a estaca zero da espiritualidade oriental. Os
conceitos centrais do hinduísmo, do budismo e de outras tradições, bem como
do Kundalini Yoga, têm sua origem nesses escritos. Como “yoga da
consciência”, o propósito filosófico do Kundalini é despertar o Eu
superior. Acredita-se que todo indivíduo é um centro energético para o
Brahman (consciência criativa divina). Usando os métodos científicos
desenvolvidos pelos mestres de Kundalini Yoga ao longo dos anos, somos capazes
de nos desconectar do ego mundano e nos conectar diretamente com o Brahman
universal. Mas como um exercício físico pode me conectar dom Deus, na falta
de uma palavra melhor?
Na
tradição do Kundalini Yoga, Deus não é, nem de longe, uma deidade
personificada no céu. A essência de Deus é a mesma essência de todos nós.
Deus é consciência criativa, a energia da qual fluem todas as coisas,
incluindo nós. Podemos acessar o Brahman porque ele já faz parte de nós. Em
outras palavras, todos nós somos expressões individuais da mesma energia
coletiva. O Kundalini é o método para nos livrarmos da falsa narrativa egoica
da separação e experimentar a verdadeira natureza da nossa existência. Nada
mal para alguns alongamentos, não é?
“Enquanto você
não transformar o inconsciente em consciente, ele vai direcionar sua vida e
você o chamará de destino.” — Carl Gustav Jung, autor de A psicologia do
Kundalini Yoga
Cinco razões práticas para fazer Kundalini Yoga
“Muito bem”, você deve estar
pensando. “Todo esse lance antigo e divino parece fenomenal. Mas como o Kundalini
Yoga pode ser bom para a minha vida?” Boa pergunta. Para os iniciantes, é um
excelente exercício. As meditações incluídas nas aulas também são
ótimas. Mas os benefícios que o Kundalini Yoga traz para a saúde são um
bônus. Veja algumas razões para se entregar à prática: 1) Expandir sua
presença expande sua vida. O Kundalini Yoga proporciona uma conexão com nossa
energia central. Essa conexão nos permite viver cotidianamente com uma forte
sensação de verdade individual. Essa presença se manifesta para todos que o
cercam e acaba resultando em novas oportunidades e uma realidade expandida. 2)
Inspiração imediata. Eu saio de cada aula com uma clareza mental que quebra
antigos padrões mentais e inspira novas ideias. 3) Ter uma comunidade nos
mantém sob controle. A maior parte de nós passa parte do dia rodeada de
pessoas negativas que nos colocam para baixo. O contato regular com uma
comunidade positiva que segue um caminho espiritual nos eleva e nos faz lembrar
do que é importante. 4) A mágica acontece fora da nossa zona de conforto. O
Kundalini Yoga é cheio de surpresas. Você pode estar se alongando num dia e
gritando no outro. A natureza espontânea de cada aula nos deixa leves e
prontos para qualquer coisa. 5) Todos são professores (inclusive você). Yogi
Bhajan dizia que não ensinava Kundalini Yoga para reunir discípulos, mas para
treinar professores. O Kundalini nos lembra que cada um de nós tem uma
mensagem importante para compartilhar com o mundo. Ao encontrar sua voz e ter
coragem de compartilhá-la, você transforma sua vida e a de quem o rodeia.
Terminologia do Kundalini Yoga
Kundalini: A
energia em forma de espiral, latente na base da coluna, muitas vezes
considerada a energia “divina feminina”. É também a prática de yoga para
despertar essa energia. Sat
Nam: “Eu sou a verdade” (Sat é “verdade
eterna”, Nam é “nome”) – cumprimento comum entre os praticantes. Shakti: Palavra de origem hindu que significa “poder do
divino” – é considerada a força vital e sagrada presente em toda a criação. Mantra: Palavra ou som repetido durante a meditação. Waheguru: Literalmente significa “maravilhoso professor” no
Punjab. Essa palavra implica honra e respeito ao Brahman. Brahman: No hinduísmo, Brahman significa “realidade
imutável em meio ao mundo e além dele”. No Kundalini Yoga, tem a ver com a
natureza divina de todas as coisas. Kriya: Série orquestrada de movimentos e
meditações – o conjunto único de ações durante uma aula. Ao contrário do
Bikram, que tem apenas um kriya (você repete a mesma sequência toda aula), no
Kundalini existem centenas de kriyas. Cada aula é uma experiência única. Respiração do fogo: Respiração rápida, ritmada e contínua – uma das
principais técnicas de respiração do Kundalini. Asana:Qualquer variação de postura – o modo como o yogi
se senta, fica de pé ou posiciona as mãos.Gyan mudra: Posição
das mãos muito comum nas meditações, em que o dedo indicador toca o dedão. Pranayama (ou Prana): Controle da respiração (e consequentemente o
controle da energia vital).
Técnicas do Kundalini Yoga
Alongar, respirar, pular, correr,
dançar, gritar, entoar, meditar. Qualquer kriya de Kundalini Yoga contém uma
variedade de atividades. Uma aula típica tem como estrutura o controle da
respiração, a expansão da energia e o alinhamento dos chakras. Uma aula
comum tem de 60 a 90 minutos de duração e é estruturada da seguinte maneira:
1.
De 5 a 10 minutos de aquecimento
(geralmente com alongamentos da coluna, demonstrados pelo professor)
2.
De 30 a 45 minutos de kriya
(exercícios propriamente ditos)
3.
De 5 a 10 minutos de relaxamento
“savassana” (quase impossível não dormir)
4.
De 11 a 31 minutos de medição (pode
incluir mantras ou mudras específicos)
Segundo a 3HO, as aulas de Kundalini
Yoga devem seguir estas diretrizes:
- Entrar
em sintonia com o Adi Mantra: entoar “Ong Namo Guru Dev Namo” três vezes
antes de começar os aquecimentos, os kriyas ou a meditação.
- O
Kundalini Yoga é o yoga da consciência. Ouça seu corpo; faça o que der
certo para você.
- Desafie-se
a continuar toda vez que achar que chegou ao seu limite. Por exemplo, se
você acha que só consegue fazer um minuto de um exercício, tente fazer
um minuto e dez segundos.
- Siga as
diretrizes! Mantenha a ordem e o tipo de postura. Não ultrapasse os
tempos descritos. Se quiser encurtar um exercício, encurte
proporcionalmente todos os outros do mesmo kriya (isto é, reduza todos
pela metade ou em quatro).
- Durante
a aula, sinta-se livre para pedir qualquer explicação sobre um
exercício ou outros aspectos da prática.
- Beba
água durante os exercícios.
O
que é um chakra? Toda a matéria, incluindo o corpo humano, é energia. Nosso
corpo é ancorado por sete pontos energéticos chamados chakras, pequenos
centros de força que alimentam nossa vitalidade. Quando um desses centros de
energia está bloqueado (como o carburador de um veículo com defeito), todo o
sistema para de funcionar adequadamente. Um dos propósitos do Kundalini Yoga
é limpar os bloqueios dos chakras (podem ser bloqueios emocionais, mentais,
espirituais ou físicos) para que a energia flua livremente.
1.
Chakra da coroa (no topo da cabeça) 2. Chakra do terceiro olho (entre os
olhos) 3. Chakra da garganta (na garganta) 4. Chakra cardíaco (no centro do
peito) 5. Chakra do plexo solar (no ponto do umbigo) 6. Chakra sacral (na
região dos órgãos sexuais) 7. Chakra raiz (na base da espinha)
“Que o eterno sol
te ilumine E todo o amor ao seu redor E a luz pura interior Guie o seu caminho”
—
Canto de encerramento das aulas