Vand ki Chakna – Todos têm o mesmo direito!
Por SS Guru Sangat Kaur Khalsa
Existem três princípios universais que regem a vida no Sikh Dharma.
Eles foram ensinados por Guru Nanak Dev Ji e por todos os seus sucessores na
Corrente Dourada. A vida pautada na ética universal, revelada no zelo pelos
direitos humanos, pela igualdade e pela compaixão entre todos os seres, só pode
ser alcançada gradualmente, na medida em que nos educamos.
Nam Japa é o ato de se levantar antes do
sol, contemplar o Infinito e meditar na unicidade de todas as coisas. Estas são
as horas ambrosiais (amrit Vela), entre 4h e 7h da manhã, período em que a
energia solar está de tal forma angulada com a Terra que, se nos alinharmos
nesta frequência, poderemos canalizá-la em nós para aumentarmos nosso vigor e
nossa disposição durante o dia. Acorde mais tarde e você verá a diferença. Este
é o momento de nossa sadhana.
Dharam di Kirat Karni é o trabalho
honesto que nos traz dinheiro com o suor de nossa testa para nossa
prosperidade. Os Gurus ensinavam que jamais devemos mendigar, e nos
aconselhavam a termos sempre o suficiente para sermos o primeiro a doar.
Vand ki Chakna, o terceiro princípio, é o ato
de agir de forma generosa, compartilhando o que se tem com quem não tem, e se
envolver de forma prática para que todos os seres possam prosperar e viver
dignamente.
Logo nos primeiros meses em que Siri Singh Sahib Yogi Bhajan havia se
mudado da Índia para os Estados Unidos, uma primeira oferta de trabalho surgiu.
Uma senhora muito distinta de Los Angeles, conhecedora de algumas escrituras
sagradas, lhe convidou para dar uma aula de Kundalini Yoga em um clube fino da
cidade. Ele aceitou de bom grado o convite, que vinha também com um pagamento
de 50% do que se arrecadasse naquele dia. Seria para ele o primeiro pagamento
por seus serviços desde que deixara a Índia. Talvez um começo, pensou ele, e
sem dúvida este dinheiro viria em boa hora, pois tudo que pôde trazer consigo
da Índia foram US$ 30, e, destes, só lhe restavam alguns centavos.
A sala estava cheia. A senhora, muito gentil, o apresentou, todos assistiram
e participaram devidamente, e ele ficou muito satisfeito com o resultado. Ao
final, sua anfitriã estava tão feliz que o convidou para jantar como forma de
lhe agradecer pelo êxito do evento. Antes que saíssem para orestaurante, ela
lhe passou US$ 150, o que correspondiam à metade do que fora arrecadado. Ele guardou
o dinheiro no bolso de sua curta (túnica típica de Panjab) e agradeceu a ela e
ao Guru Ram Das!
Durante o trajeto, a senhora foi lhe apresentando o que sabia sobre
vários assuntos ligados à espiritualidade e ele ficou muito impressionado com
seu conhecimento. Ao se aproximarem do restaurante, estacionaram o carro e
caminharam alguns metros até a entrada. Logo, ele avistou um homem muito
peculiar parado junto a um poste, com um tabuleiro de lápis dependurado no
pescoço. Este homem chamou sua atenção. Ele era negro e estava bem-vestido, e
suas mãos seguravam firmemente o grande tabuleiro de madeira, repleto de lápis
muito bem apontados. O homem dizia em voz alta: “Por favor, peço que comprem
meus lápis, pois com eles estou ajudando a alimentar minha família. Me recusam
trabalho, por isso, vendo lápis que eu mesmo produzo”.
Yogi Bhajan, sem pestanejar, se dirigiu até ele do outro lado da rua,
pegou um lápis e deixou na caixinha todo o dinheiro que tinha no bolso. Ele
agiu de forma natural, afinal, para ele o ato de se solidarizar e compartilhar
o que lhe pertence com o outro, muito mais do que um ato de grandeza, era um
compromisso de vida no Dharma. Mas, não foi o que sua anfitriã pensava.
Num instante, toda elegância daquela intelectual se fraturou em
milhares de cacos pontiagudos e cortantes de raiva e indignação. Ela disse de
modo ríspido: “Você deu todo o dinheiro que ganhou, alias, o único dinheiro que
você tinha, para aquele homem? Você pagou US$ 150 por um único lápis? É isso
que vocês fazem conosco; vocês estragam tudo, vocês alimentam a vadiagem dessa
gente!”. Yogi Bhajan não esperava essa atitude daquela cálida senhora e,
calado, decidiu seguir para o restaurante, porque estava realmente com fome e a
comida parecia muito boa naquele self-service. Incrédula, a mulher foi atrás
dele e continuou com seu rompante dizendo: “Quero ver agora como você vai pagar
sua conta. Eu é que não vou pagar nada para você, só para você aprender a lidar
com o dinheiro de forma responsável!”
Ele pegou um prato na pilha ao lado do buffet e seguiu tranquilo o
ritual do self-service. Pesou, pegou o ticket que indicava o valor devido e foi
para a mesa. Sua anfitriã sentou-se calada e comeu ao seu modo. Ao final do
almoço, Yogi Bhajan começou a pensar em como pagar sua conta. Ela, que já
terminara, se virou para ele e disse com escárnio: “Quero ver de onde virá o
dinheiro!”. Ele, então, pensou em si e na situação e, depois, sorriu para ela
dizendo calmamente: “Sou filho do Guru, e é dito em todos os versos divinos que
o Guru não deixará seus filhos na mão”. Ela revirou os olhos...!
A seguir, uma das garçonetes do local se aproximou e Yogi Bhajan
pediu pela conta, esperançoso de o Guru fazer algo, é claro. A moça então disse
gentilmente, “Oh, não se preocupe, pois sua conta já está paga”, ele arregalou
os olhos e perguntou: “Por quem?”. “Havia um de seus alunos aqui, ele não quis
perturbar seu almoço de trabalho, por isso, pagou sua conta e se retirou”,
disse a garçonete. “Quer dizer que ele pagou a conta? Pagou a conta dela
também?”, peguntou Yogi Bhajan, se referindo à mulher irada ao seu lado. A moça
respondeu que sim, que tudo estava pago e que, inclusive, havia sobrado um
dinheiro, e lhe entregou então US$ 50 de troco. Ele olhou para sua anfitriã com
um largo sorriso matreiro no rosto, pegou o troco e o deu inteiro para a
garçonete, que, de tanta felicidade, saiu saltitante dizendo: “Graças a Deus,
Deus é bom! Ganhei meu mês!”.
Claro que ninguém sabe o que aconteceu com a anfitriã depois disso. E
ele, Yogi Bhajan, bem, suas histórias continuam e cada uma delas mais
surpreendentes do que a outra. Todas, sem dúvida, relatam a vida de uma pessoa
que viveu o que ensinou e confiou que na bondade reside a fortuna e que no
compartilhar reside a fartura.
Wahe Guru, Sat Nam.
Belo
Horizonte, julho de 2013.